segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Pelo caminho

No balcão de um bar assistindo ao noticiário, ouvi: - A realidade está longe de ser o que se mostra, a televisão já....
Não foi a TV, foi só um 'break' da minha mente. Na verdade se tratava de um 'realite show', na qual o apresentador falava aos três participantes restantes: Estão prontos para voltar à realidade?
Aquela última frase ecoou na minha mente... O que é realidade? Algum tipo de hipnose me fez ficar num mundo diferente, de palavras.
- Realidade é isso? Se não for, o que é então? Realidade é a forma verdadeira das coisas? Que forma verdadeira? A forma verdadeira que vemos, então...
O barulho de um copo aterrissando no balcão me fez voltar. Me levantei e segui para o caixa ao ouvir o barulho um tanto quanto irritante de uma calculadora (pii pi pii). A hipnose voltou.

Então, a nossa realidade é um teatro montado à forma que nos acomodamos melhor, sem ter que andar muito para pegar um pouco d'água, ou utilizar o banheiro; sem ter que pensar muito ao escolher utilizar uma calculadora ao invés de pegar papel e caneta. Por que tan...

- Cinco e quarenta - uma voz fina que parecia estar ao efeito de hélio disse me fazendo voltar do devaneio. Lhe dei o dinheiro como pedido, em moedas inclusive. Segui caminhando por alguns 5 quarteirões até a minha casa. Pelo meu caminho passavam carros e eu vi um palhaço andando do outro lado da rua. Bom, não é uma fobia, é só a figura de uma grande boca vermelha e nariz também vermelho, aquelas sobrancelhas altas, uma expressão não engraçada e sim ameaçadora, alerta. Não ligo muito, mas sou uma boa observadora... Meu mundo foi submergido novamente...

Um palhaço pela rua às dez da noite, algo um tanto fora do normal, fora da realidade, ou somente uma nova realidade...

A buzina da bicicleta de um senhor de 75 anos, me assustou e recuei o corpo com um pulo para trás, tropecei na sargeta cai sentada. O senhor a pesar de varias sacolinhas de compras nos guidões não exitou em me ajudar.

- Mas moça, não pode ser tão distraída assim... Isso porque estou de bicicleta, imagina se é um ônibus... Se machucou?
- Não, não. Me desculpe, estava perdida em algumas linhas de pensamento.. Obrigada - eu disse ao segurar sua mão e me levantar.
- Bom, é melhor você pensar quando estiver parada... Até logo! Ele disse enquanto pegava sua bicicleta e seguia.
- Até logo! - me despedi enquanto o olhava seguir a direita.

Chegando ao outro lado da rua, reparei: Quase fui atropelada por um senhor de bicicleta levando compras à sua família e...

Submergi em meus pensamentos, e percebi que ao ver aquele senhor, cheguei a conclusão de que ele é outra...

Ao ouvir alguns gritos e palavrões eclodirem por mais ou menos 10 metros, revivi. Eles pareciam vir do residencial Rondile. Residencial Rondile, cobria quase os mil metros quadrados do extenso quarteirão. um apartamento por andar, abrigava empresários, em grande parte judeus, donos de joalherias. Seguindo, logo à frente reparei que havia um carro, do tipo importado chamativo, imponente, elegante e muito mais estacionado. Chegando ao portão de entrada do Residencial, percebi a briga entre uma moça ruiva de vestido brilhante que gritava, uma senhora apavorada quase chorando e um homem de ao menos 50 anos que com o indicador apontando para a moça dizia palavras de desapontamento. Logo, raivoso seguiu caminho para o portão, saindo se virou e gritou:
- E não há dinheiro que me faça recuperar dessa decepção!
E se virou, me olhou de relance e seguiu para o caro carro mal estacionado. Respirei fundo e segui. Balancei a cabeça de forma negativa ao me realizar que as coisas feitas pelo homem, em especial o dinheiro, não são tão satisfatórias quanto ele as prometeu ser.

Segui pensando e caminhando. Aquela briga, a decepção e incompreensão nas palavras daquele homem...

Uma outra realidade, algo muito diferente daquele senhor que me ajudou a levantar, algo distante...

A sirene de uma ambulância me despertou. Mais a frente a ambulância parou na frente do hospital psiquiátrico Rendes. Os homens de branco desceram, abriram a traseira e tiraram um homem grande, forte e enrolado numa camisa de força chacoalhava todo seu corpo em busca de uma escapatória. Me lembrei das aulas de filosofia do 2º ano quando meu professor me disse: Quem afirma que o que os doidos vêem não seja real, e quimera, nós então, estamos vivendo uma mentira? É difícil para nós admitir que só porque não enxergamos o que eles vêem, os desfalcados somos nós.

Seguindo. Cheguei em casa, sentei no sofá, fechei os olhos e sumi.

Um filme passando pela minha cabeça, me preparei para concluir os pensamentos interrompidos. A TV fora da realidade, nos mostrando um mundo desnecessário, totalmente subversivo e mentiroso.
A realidade do homem de bicicleta, que aparentemente é fazer o máximo de esforço pra conseguir satisfazer sua família com o necessário para sobreviver é totalmente diferente da realidade do homem enternado que apesar de ter abundância em bens materiais se descontenta muito com a vida familiar. E os loucos, diferentes, fora da realidade, uma outra realidade, ou talvez a real realidade. Será que algo é real?



Nossa realidade nos prega uma ascensão fútil, que nos separa daquilo que é naturalmente satisfatório e prazeroso.